Por que deixamos de lado nossas metas de ano novo?

Você já aproveitou aquele momento inspirador de início de ano novo para começar a colocar em prática algum dos seus maiores sonhos, né? Provavelmente você fez tudo como planejou nos primeiros dias ou, até mesmo, semanas.

Mas, com o passar do tempo, encontrou outras obrigações e coisas mais urgentes para fazer, até se dar conta que sua meta ficou completamente de lado. E aí, como o planejamento inicial já tinha falhado mesmo, talvez você tenha decidido recomeçar em um momento mais “interessante” como, por exemplo, no próximo início de ano. E assim o ciclo se repetiu uma vez, duas vezes, três vezes…

Se você se identificou com esse caso, não se preocupe. Ele é super comum e foi profundamente estudado pelos psicólogos e professores de Harvard, Robert Kegan e Lisa Lahey, nos últimos 30 anos.

Em suas pesquisas, eles notaram que, em geral, as pessoas tentam realizar seus objetivos (Ex.: emagrecer) através de mudanças em seus comportamentos, seja aumentando comportamentos positivos (Ex.: fazer exercício físico; comer verduras), seja diminuindo comportamentos negativos (Ex.: comer doces).

Apesar dessa estratégia parecer bastante lógica, os psicólogos descobriram que ela dificilmente funciona no médio a longo prazo e pode até mesmo gerar compensações (“efeito rebote” que acontece quando a gente se priva de alguma coisa), algo que é muito comum em dietas. Você sabia que, em média, as pessoas que fazem dieta recuperam 107% do peso que perderam?!

Mas por que essa estratégia não funciona direito?

Segundo os psicólogos, por dois motivos:

  1. A força de vontade é um recurso limitado: para aumentar comportamentos positivos que não estamos acostumados e diminuir comportamentos negativos que já fazem parte do nosso dia a dia, é necessário energia, ou o que muitas vezes chamamos de “força de vontade”. O problema é que a força de vontade é um recurso limitado. Conforme vamos utilizando esse recurso durante o dia, nossa “barrinha de energia” vai diminuindo até que o único comportamento possível seja descansar;

  2. Os comportamentos “negativos” são “positivos”: os comportamentos negativos que queremos eliminar (porque atrapalham nosso objetivo), na verdade, também são positivos porque nos aproximam de outros objetivos que, muitas vezes, não temos consciência. Mesmo que a gente deseje muito alguma coisa, é possível que para conseguir isso seja preciso se comportar de uma forma que uma outra parte de nós considere perigosa para nossa sobrevivência. Essa outra parte de nós vai tentar evitar esses comportamentos “perigosos”, para nos manter a salvo.

Imunidade à mudança

É como se tivéssemos um sistema imunológico na mente que nos protege de corpos (no caso, comportamentos) estranhos. Os psicólogos chamaram esse processo que acontece dentro de todos nós de “Imunidade à mudança”. Uma razão muito comum para o disparo do sistema imunológico mental é o medo que temos de ferir a nossa imagem ideal, ou seja, a imagem que temos de nós mesmos quando somos o melhor que podemos ser.

Quando precisamos nos comportar de uma forma que coloque em risco essa imagem ideal, mesmo que seja para realizar um objetivo, nosso sistema imunológico detecta o perigo e “expulsa” esse comportamento.

Vamos trazer um exemplo para tentar tornar esse processo mais claro. João é alguém muito exigente consigo mesmo. Na maior parte do tempo, fica pensando em seus conflitos internos, em como trabalhar melhor, viver melhor, ser mais produtivo, se desenvolver... Isso deixa João bastante ansioso e faz ele desejar, em muitos momentos, levar as coisas com mais tranquilidade; se tornar mais paciente consigo mesmo. Quando João pensa sobre os comportamentos negativos que atrapalham seu objetivo, ele percebe que:

a. Dá muito valor para julgamentos negativos sobre ele;

b. Dá pouco valor para julgamentos positivos sobre ele; e

c. Se critica muito quando as coisas não saem como ele espera.

Se pararmos para pensar, para que o João se torne mais paciente consigo mesmo, ele deveria se comportar de forma contrária a esses comportamentos negativos, dando pouco valor para julgamentos negativos, muito valor para julgamentos positivos e se criticando pouco quando as coisas não saem como ele espera. Faz sentido, certo?

No entanto, se a teoria da Imunidade à Mudança está correta, esses novos comportamentos são percebidos por uma parte dele como perigosos. Mas se eles são perigosos, são perigosos por quê?

Para fazer esse exercício de reflexão, o João se imaginou realizando esses comportamentos e observou seus seguintes medos serem disparados:

a.

b.

c.

Como você pode ver, todas as reflexões levaram ao medo de, no final, ser “medíocre”. Esse é um medo de ferir a imagem ideal que João tem de si mesmo, de alguém que é “excelente”. Portanto, para manter sua autoimagem intacta, seu sistema imunológico mental inteligentemente evita que esses novos comportamentos surjam.

Outras necessidades primitivas que quando ameaçadas ativam o sistema imunológico mental e que foram estudadas pelo neurocientista australiano, David Rock, são:

  • Status: se sentir importante para os outros;

  • Certeza: senso de controle sobre o futuro;

  • Autonomia: ter liberdade para tomar as próprias decisões;

  • Relacionamentos: se sentir seguro com os outros; e

  • Justiça: perceber os eventos como justos.

Voltando ao caso do João, seus comportamentos “negativos” em relação a ser mais paciente consigo mesmo são “positivos” em relação a outros objetivos que seu sistema imunológico trabalha para manter, como, por exemplo, não ser medíocre.

Para que ele interprete alguns de seus comportamentos como positivos, é preciso que ele parta de uma série de suposições, também conhecidas como “crenças”.

Podemos pensar que, provavelmente, algumas de suas crenças são: “se eu der pouco valor a julgamentos negativos, não vou conseguir melhorar”, “se eu der muito valor a julgamentos positivos, vou acabar me exigindo pouco” e “só tenho valor como pessoa se eu for excelente em tudo”.

Normalmente, essas crenças demonstram uma visão de mundo limitada e é comum até mesmo sentirmos uma espécie de constrangimento quando entramos em contato com elas, pois por um lado sabemos que elas não são totalmente reais, mas por outro lado uma parte de nós acredita completamente nelas.

Por isso, os psicólogos propõem que a gente experimente aos poucos o quanto essas crenças são verdadeiras. Talvez elas tenham sido importantes no passado, mas agora tenham perdido sua utilidade. Talvez uma parte delas continue real e outra nem tanto. Talvez elas sejam reais em um contexto específico, mas não em outros.

Para finalizar, te convidamos a se perguntar:

  • O que você deseja desenvolver?

  • Quais são seus comportamentos “negativos” que te impedem de realizar esse objetivo?

  • Qual seria a pior coisa que poderia acontecer se você fizesse o contrário desses comportamentos? Do que o seu sistema imunológico mental está tentando te proteger?

  • O que você precisa acreditar para que essa proteção faça sentido? Que crenças você precisaria ter para que esses comportamentos sejam de alguma forma “positivos” para você?

Entrar em contato com nossas crenças pode ser um processo difícil, especialmente quando somos honestos com nós mesmos. Portanto, se precisar, peça ajuda profissional.

Que possamos cada vez mais olhar para dentro e descobrir que crenças podem estar nos mantendo seguros, mas também nos impedindo de realizar nossos sonhos.

Boa reflexão! 😊



Referências

Ford, J. D., Ford, L. W., & D’Amelio, A. (2008). Resistance to Change: The Rest of the Story. Academy of Management Review, 33(2), 362–377.

Helsing, D., Howell, A., Kegan, R., & Lahey, L. (2008). Putting the “Development” in Professional Development: Understanding and Overturning Educational Leaders’ Immunities to Change. Harvard Educational Review, 78(3), 437–465.

Kegan, Robert, Lahey, Lisa Laskow. (2001). The real reason people wont change. Harvard Business Review, 79(10), 85.

Kegan, Robert, Lahey, Lisa Laskow. (2009). Immunity to Change: How to Overcome It and Unlock the Potential in Yourself and Your Organization (Leadership for the Common Good). EUA: Harvard Business School Publishing Corporation.

Kegan, Robert & Lahey, Lisa & Fleming, Andy & Miller, Matthew. (2014). Making Business Personal. Harvard business review. 92.

Rock, D. (2008). SCARF: a brain-based model for collaborating with and
influencing others. NeuroLeadership.

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